Uma esperança cínica.

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A iniciativa partiu do Bloco de Esquerda. Mas, antes de desenvolvermos o assunto, será bom perceber-se o que é, na prática, e na eficácia, um projeto de resolução. De acordo com o glossário apresentado na página da Assembleia da República: “projeto de resolução é uma iniciativa de deputados ou grupos parlamentares, que não deva revestir depois de aprovada a forma de lei e que é, em regra, de cariz político.”  Em português corrente, poder-se-ia dizer que se trata de uma recomendação ao governo com origem num partido ou deputado, manifestando uma posição política sobre um determinado tema. Não é, por isso, uma lei, mesmo que a maioria, incluindo o governo, concorde com essa preocupação. Tal como a iniciativa é política, a forma de votar, também o é.

Reconheço a bondade da iniciativa. Contudo, tenho de o dizer, a sua aprovação reveste-se de algum cinismo. Passo a explicar: em primeiro lugar, quem aprovou esta resolução sabe (e se não sabe devia saber) que a Assembleia Regional e o Governo não têm competência para interferir nas decisões internas dos Municípios. Este é, aliás, um princípio sagrado do municipalismo português que garante a sua independência relativamente às outras instâncias de poder. Logo, aquilo que a ALRAA fez não passou de uma manifestação política que, estranha-se, teve a aprovação dos mesmos partidos que sustentam o executivo camarário praiense. Por outro lado, a iniciativa do BE pode considerar-se injusta. Digo isto, consciente do alcance das palavras e de que os visados poderão não compreender. Apesar disso, não seguirei pelo caminho do mais fácil e do discurso que agrada, embora sabendo da sua inconsequência. Estas pessoas já foram enganadas demais.

Porquê, então, injusto? Infelizmente, os funcionários da Cooperativa Praia Cultural, agora despedidos, não são as únicas pessoas que, nos Açores, ficaram ou ficam sem trabalho. Não são as únicas que tinham vínculos precários ou se sujeitavam a baixos salários. Infelizmente, existem mais, quer estejamos a falar do setor público, quer se esteja a falar do setor privado. Precariedade é precariedade e desemprego é desemprego, independentemente da natureza jurídica do patrão. As palavras, ditas ou escritas desta forma, parecem números. São frias. Mas são o que são e de pouco serve doirar a pílula quando se sabe que continuará cinzenta ou mesma negra. Pergunta-se, pelos motivos expostos, irá o Bloco apresentar uma resolução por cada pessoa despedida nos Açores, e propor que o Governo lhe dê emprego? Sei que a ideologia do BE dará uma resposta afirmativa a esta questão. Porém, dirijo a questão aos que aprovaram a resolução-mote desta crónica: irá o parlamento açoriano aprovar todas as resoluções apresentadas para que o Governo absorva todos os desempregados dos Açores? Estou convicto que não. Assim sendo, expliquem-me se acreditam mesmo que tal é possível, garantindo justiça e equidade relativamente a todos os açorianos?

Não é sério continuar a prometer-se o impossível, principalmente quando a solução não passa pela suposta boa vontade do prometedor. O prometedor, o Governo dos Açores, no caso, compromete-se a abrir concursos. No entanto, não há lei que possibilite a abertura deste género de procedimento com nomes previamente definidos. Sabe-se ser uma prática corrente, mas não é legal. Por outro lado, para que estas pessoas possam candidatar-se a essas vagas, têm de ser “readmitidas” na autarquia e, depois de o serem, também não há lei que as obrigue a candidatar-se ao que quer que seja para sair da câmara e ir para outro lado qualquer. Por isso, anda-se, mais uma vez, a brincar com a vida destas pessoas, a usá-las como arma de arremesso político e todos, mas todos, vão procurando garantir o seu voto. A promessas impossíveis, a cinismo de esperança, dá-se um nome: populismo. Por tudo isto, e antes de se fazerem promessas que se sabem impossíveis de cumprir, pede-se aos intervenientes, aos autores de tais mecanismos, particularmente ao BE, PS e Governo que expliquem como tudo poder será feito de forma a garantir-se justo trato, legalidade e equidade. Da câmara, por seu turno, fica-se a aguardar o rol dos critérios que presidiram à seleção dos colaboradores em excesso a demitir. São muitas as dúvidas…

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