A tenda voou e foi como se nada tivesse acontecido.

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A tenda voou e ficou em frangalhos. Muitos viram este episódio como a demonstração do estado de declínio do destino praiense, uma espécie de indício da terceira anunciada caída, algo que, em definitivo, nos atira para o abismo. Recordo, apesar deste desastre, que não é a primeira vez que tal acontece. Pela minha contabilidade, será a terceira vez que uma barraca pública vai ao chão. Porém, desta vez, a conjuntura é substancialmente diferente. As causas da destruição são, evidentemente, as mesmas. Apesar dos avisos de mau tempo, anunciados pela própria autarquia, acreditou-se que a sede da feira de gastronomia era à prova de intempéries. Apesar de, pelos mesmos dias, a autarquia alertar a população para a necessidade de se tomarem medidas para se minorarem os efeitos de catástrofes naturais, a dita nada fez. Sem querer ser repetitivo, recordo, não é a primeira vez que tal acontece. Repetindo, a conjuntura não é a mesma.

Este episódio, que levou ao cancelamento da feira EXPOPRAIA, acontece num momento de particular sensibilidade no município praiense, enquadrando-se no cenário de crise, falência, assistência financeira externa, despedimentos, ausência de investimento público, onde até a derrocada de um muro no miradouro do facho, ocorrido há pouco tempo, passa a assumir uma relevância não tida noutro contexto. Por outro lado, a comunicação, quer da instituição município, quer dos seus protagonistas, falha em toda a linha, revelando aquilo que, na aparência, se pode chamar insensibilidade ou total alheamento. Não se compreende por que razão, na página do município não haja qualquer comunicação ou imagem por parte de qualquer membro da vereação relativamente ao sucedido no passado fim de semana. Há simplesmente um comunicado a cancelar a feira, sem rosto. Aquilo que se vê são simplesmente imagens da presidente, no continente, a promover produtos locais. Fomos do oito ao oitenta. Quem consultar as redes sociais da câmara, fica com a sensação de que existem duas Praias, a da internet e a da vida real. Tal como o derrube da tenda das feiras não foi caso primeiro, a governação para a cidade idílica do Facebook também não o é e o resultado está à vista.

O declínio não é de hoje, nem de hoje é o abeirar do precipício. No tempo em que o povo da nossa Praia vivia em anestesia induzida, crónica ou de simpatia, alguém ousou, através da expressão artística, gritar bem alto que a cidade se estava a afundar, de que era precisa ajuda, preferencialmente a dos praienses. Não consigo determinar o ano. Testemunho, no entanto, que nos finais de 2016, quando o retratei, o mural de Luís Brum já lá estava. Nas palavras do encomendador da obra, não do autor: “Representa a Praia da Vitória e a esperança no futuro. Numa Praia da Vitória meia à deriva, as suas gentes ao darem as mãos podem renovar e recriar a mesma e criar um novo, mas diferente porto seguro.” Era um discurso de esperança, apesar dos rabiscos na parede evidenciarem declínio e pedido de socorro. Os coelhos do Luís Brum quase que adivinhavam resignação.

Infelizmente a ajuda não vem de dentro. Nem as soluções. Uma empresa externa determina o que fazer ao excedente de funcionários e que medidas devem ser tomadas a nível financeiro. Todo o apoio jurídico também é feito por prestação de serviços externos e a feira do livro do Outono Vivo também é feita por ajuste direto, sem qualquer tipo de concurso público (aliás, uma raridade neste executivo), por um valor que ainda não foi divulgado. O Terceira Tech Island deixou de ser gerido pelo governo, no tempo da anterior vereação, para passar para as mãos da autarquia que, agora, o cedeu à Câmara do Comércio de Angra (CCAH), a mesma que faz – alguém tem de fazer esse papel – a defesa da Praia e da ilha Terceira, a mesma que reivindica, a mesma que organiza a feira de atividades económicas do concelho, a mesma que agora defende a reabertura do curso de gestão e a criação de uma licenciatura/mestrado em economia no polo da Terceira da Universidade dos Açores. A CCAH torna-se, assim, a substituta da Câmara da Praia e uma espécie de Secretaria Regional para os Assuntos da Terceira. A gestão municipal baseada nas belas imagens das redes sociais, com sabor a postal e família feliz trouxeram-nos ao estado em que estamos hoje. No início do texto chamei-lhe declínio, mas, por vezes, desconfio que já tenhamos batido no fundo. Há muito tempo… A verdade, porém, tem demonstrado que quando pensamos não poderem as coisas ficar piores, há sempre uma tenda que voa, há sempre uma fotografia publicada no momento errado, uma celebração quando ela não deve acontecer. Dizia-me há uns anos uma autarca do partido socialista: se bateu no fundo, agora só existe um caminho, voltar a subir…

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